quinta-feira, 29 de março de 2012

COMPUTADORES,FADAS, MÁGICOS S PRINCESAS



A cena, observada no contexto de seu tempo e lugar e percebida pelo volume de convicções e experiências do observador, era no mínimo surpreendente. Conhecendo razoavelmente os sistemas educacionais de seu país, viajava agora pelo mundo e, em plena Estocolmo, sedutora e bela, foi convidado por um colega que lá residia há oito anos para visitar a escola em que sua filha estudava.

Após todo o entrave burocrático exposto pela administradora da escola, que com bom senso e delicadeza mostrava que "adultos" não convidados atrapalhavam a concentração das crianças, superou-se o obstáculo através do "jeitinho" brasileiro, que mesmo em áreas distantes e frias muitas vezes funciona.

Pôde, dessa forma, presenciar uma parte da aula e, no mesmo instante, seu sangue latino gelou. Carteiras, se é que poderiam ser assim chamadas, imaculadamente brancas e, em cada uma delas, como que incorporados à sua estrutura, pequenos computadores. Não era um recurso levado pelos alunos —é preciso que se ressalte —, mas uma peça componente da própria carteira, como se, sem um, o outro não existisse, mais ou menos como os velhos tinteiros que ornavam nossas carteiras de criança. A professora, diante de um computador um pouco maior, "conversava" com os seus loiros alunos sem dizer qualquer palavra. De seu lugar, enviava recados eletrônicos, sugeria perguntas, propunha desafios. Para alguns, solicitava que colocassem o fone de ouvido e, na mesma hora, enquanto seus olhos percorriam, por exemplo, imagens do Pantanal, ouviam os sons de sua fauna, o sibilar do vento nas folhas do buriti. Para outros, recomendava um mapa e, ao acionar uma tecla, este a seus olhos emergia com suas cores magníficas, sugerindo a tridimensionalidade.

Essa visão de escola deixou-o arrasado. Pensou:

— Deus meu, se esta é a escola do futuro, meu país jamais poderá disponibilizá-la. Poderia até imaginar essa tecnologia invadindo uma escola particular, onde alunos pagam salgadas mensalidades. Mas como pretendê-la nas favelas de São Paulo, na periferia do Rio de Janeiro, nas escolinhas perdidas nos sertões e nas selvas?

Esse trágico pensar, entretanto, não durou quase nada. Minutos após aquela cena de contemplação da tela pelas crianças, a professora ficou de pé e, exercitando a provável rotina de todo dia, convidou seus pequenos para outro momento da aula. Disse-lhes as seguintes palavras, rapidamente traduzidas pelo amigo:

— Bem, agora vocês já dispõem de muitas informações. É chegada a hora de transformá-las em conhecimento. Desliguem suas máquinas, sentem-se ao meu redor. E assim que as crianças fizeram um círculo ao seu lado, começou a fazer perguntas, propôs desafios, sugeriu charadas, mostrou imagens, fez os alunos manusearem quebra-cabeças, brincou com "puzzels" que reproduziam a região pesquisada. Transformou, como fada ou princesa ungida a uma sala de aula, informações em saberes, conhecimentos em vivências, observações em experiências.

O visitante se acalmou, sorriu e pensou:

— Graças a Deus, desta escola meu país pode dispor. Quem a faz admirável não é a máquina, a tecnologia, o computador, e sim essa professora extraordinária, essa princesa, fada, sei lá!, capaz de transformar informações em conhecimentos, constatações em experiências. Pouco importa que as escolas pobres de meu país não disponham de aparelhos modernos para oferecer informação. Esta afinal pode chegar pela voz, pelo livro, pelo texto. O que a dignifica e expressa grandeza à aula é a magia de sua transformação, a alquimia da mestra que a contextualiza nos saberes na vida e no entorno de seus alunos.

Imagens e lembranças dessas cenas acordaram no instante em que pudemos ler sobre o programa Telecomunidade, anunciado pelo presidente Fernando Henrique, e seus planos de entregar, até o final do próximo ano, computadores para 13 mil escolas de ensino médio no país, onde estudam 7 milhões de jovens. Os recursos virão do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, que deverá receber um bilhão de reais, a metade para ser aplicada em compra de computadores e o restante em saúde pública e informatização de bibliotecas.

Como nada foi dito sobre preparação de professores, sobre a transformação de informantes em fadas, mágicos e princesas, senti acordar as lembranças que acima descrevi. Uma pena.
*****


Celso Antunes é professor e psicopedagog

Nenhum comentário:

Postar um comentário